Pare, salte e pense
De olhos no relógio vejo os números aumentarem rapidamente. Quatro mil pés, cinco mil pés, seis mil pés. É agora. “Põe os joelhos no chão e manda-te”. Uma sensação de liberdade invade-me. Vão-me saltar os ténis brancos a qualquer momento. Passados 44 segundos estou novamente na terra, ainda com o cérebro a processar a adrenalina.
Quando contei aos meus amigos e familiares que ia saltar de um avião chamaram-me corajosa e maluca. Mas na verdade isto foi tão fácil. A minha mãe casou aos 21 anos e teve o primeiro filho sete anos depois. Requer muito mais coragem do que ficar a seis mil pés de altitude, não?
Atualmente já são raras as gravidezes antes dos 30 anos. Em 2023, a Eurostat mostrou que os portugueses decidiam ter o seu primeiro filho aos 32 anos, aproximadamente. Já no ano passado, o mesmo centro de estatísticas, divulgou mais um dado curioso. Em Portugal, os cidadãos abandonavam, em média, aos 29 anos, a casa dos pais. É verdade, nem sair do ninho está fácil. Mas chamam-me a mim a aventureira.
Saltar de alguma coisa ou de algum sítio é para muitos a solução. Os jovens estão desesperados com o choque entre gerações. Sabem lá como vão explicar aos familiares mais velhos que para comprar uma casa têm de ficar a dever ao banco? Se tiverem um filho e a lista de espera da creche for de apenas três anos é uma sorte?
Quando anuncias o teu casamento a alguém, a reação é de extrema alegria. Mas estás prestes a assumir um compromisso eterno. O mesmo para o filho. Vais ter de cuidar de alguém até morreres e nunca sabes o que te espera. A criança tanto pode tornar-se o Donald Trump como o próximo vencedor do nobel da paz. As hipóteses são variadas.
Entre a sensação de lidar com estas angústias e a de saltar de avião, preferia centenas de vezes a última. Durante os meus 44 segundos em queda livre a 200km/h, nada me veio ao pensamento. Nem o passado nem o futuro. Estava a viver o presente. Era só eu, o vento e uma paisagem inacreditável, cheia de história da cidade de Évora. O mais difícil é adivinhar o dia e a hora em que as condições climatéricas estejam ideais para saltar. Outro aspeto maçador é o paraquedista junto a nós tentar falar connosco durante a experiência.
Ainda por cima para fazer um coração. Mas, no geral, é agradável. Além disso, há ainda uma plateia a ver os saltos numa espécie de bar, situado no meio do nada. Antes de pegarmos no carro, decidimos ir beber lá algo. Revelou-se ser também uma experiência libertadora. Há pessoas a ver pássaros a voar, nós vemos pessoas a tentar fazê-lo.
O paraquedas começou a ser usado em 1808 como um salva-vidas, quando o polaco Kuparenko o utilizou para saltar de um balão de ar quente em chamas. Um século depois, na primeira guerra mundial, passou a ser um equipamento de guerra. De facto, continuam a ser um salva-vidas e a combater os nossos inimigos. São segundos onde a nossa mente para de pensar nos desafios diários e nos sentimos vivos.
A ‘Frontiers in Human Neuroscience’ é uma revista de referência na área da psicologia e da neurociência. Há 10 anos publicou um estudo sobre o paraquedismo ser eficaz no controlo emocional e no stress. Quem tem esta experiência pela primeira vez, antes do salto, o corpo tende a produzir mais cortisol, ou seja, tem mais ansiedade. Já os paraquedistas, por exemplo, têm um aumento muito menos evidente, e quando aterram recuperam do stress mais rápido. Ou seja, o salto de avião pode melhorar a nossa capacidade de lidar com situações mais stressantes.
Se vão chamar malucos às próximas pessoas a fazer paraquedismo, tenham atenção. Do ponto de vista frio, malucos são os nossos bisavós com sete filhos e um casamento aos 16 anos. Mas também são sortudos, ao menos na altura dava para o fazer.
Crónica de Céline Bernardo