O jornalismo local na era digital

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Em Portugal e no mundo, o declínio das imprensas locais é evidente. Ao longo dos anos, várias foram as tentativas de reinventar o jornalismo regional. Agora, a nova geração de jornalistas, de nativos digitais, pode vir a ser um fator revolucionador no futuro.

Sara Santos, estudante de mestrado na Universidade Católica, escreveu na sua reportagem “Talvez o futuro do jornalismo passe por escutar melhor os passos no passeio da nossa rua”, sobre o papel do digital no jornalismo local. A aluna conta também o contributo da Tomar TV para os media regionais, através do testemunho do diretor geral Tomás Duran.

“O jornalismo regional é mais importante que o nacional”, “permite informar um determinado grupo de pessoas com informações que são realmente relevantes para aquela população”, afirma Tomás Duran.

A função do jornalismo regional é valorizar o que acontece no quotidiano, dar voz à população e combater a sensação de abandono que tantas regiões do interior sentem.

Na Espanha, o investimento surge num sistema de informação mais descentralizado. Este é um princípio que o diretor da Tomar TV defende. Cada região deve ter meios de comunicação fortes e integrados numa rede nacional.

“As pessoas estão overwhelmed por excesso de informação que não lhes diz respeito. A informação local ajuda a recentrar o foco”.

Desde cedo, a Tomar TV é um exemplo do que o jornalismo local pode alcançar. Nos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, este media regional, comprovou que o governo subestimou o número de vítimas. Uma revelação que contribuiu para a queda da ministra da Administração Interna.

“Mostrámos que o jornalismo independente e livre, mesmo sendo regional, pode e deve ter esse papel.”

O projeto utilizou e utiliza as plataformas digitais (Facebook, Youtube, Messenger) para conseguir uma comunicação descentralizada, inclusiva e próxima da comunidade. Assim, chegou aos cidadãos locais, mas também aos portugueses no estrangeiro, através da renovação das linguagens do jornalismo local.

Em tempos de excesso de informação global, o público anseia por aquilo que tem impacto direto na sua vida. A trajetória da Tomar TV revela, que o jornalismo local é fundamental. Projetos como este conseguem preencher lacunas que os grandes meios não alcançam.

 

Veja aqui o estudo completo: Talvez o futuro do jornalismo passe por escutar melhor os passos no passeio da nossa rua
(O jornalismo local na era digital)
Docente: Isadora de Ataíde Fonseca
Discente: Sara de Almeida Fernandes Alcobia Martins nº132224188
Unidade Curricular: Laboratório de Jornalismo Digital
Ano letivo: 2024/2025

Introdução

Com a disseminação da Internet, a migração para os dispositivos móveis e a ascensão das redes sociais, os media viram-se forçados a adaptar as suas práticas, os seus modelos de negócio e até a sua própria missão no espaço público. Para os grandes grupos de comunicação nacionais, a transição digital representou uma oportunidade e um desafio em simultâneo. A aposta em sites de notícias, conteúdos multimédia e novas formas de monetização digital permitiu ganhar escala. O impacto foi ainda mais profundo no universo dos media regionais e locais. Como sublinha Pedro Jerónimo, professor e investigador na Universidade da Beira Interior: “duas décadas de ciberjornalismo é pouco tempo para conhecer as vivências de (ciber)jornalistas e redações, sobretudo ao nível regional, local e até hiperlocal”.

Mas as dificuldades são também estruturais. O declínio da imprensa local em papel em Portugal acompanha uma tendência internacional, bem documentada por Rasmus Kleis Nielsen no seu Local Journalism (2017). Segundo o investigador do Reuters Institute, o desaparecimento de jornais locais não foi compensado pelo digital: as receitas publicitárias migraram para as grandes plataformas, deixando pouco espaço para negócios sustentáveis no jornalismo de pequena escala.

Em Portugal, este cenário tem gerado respostas distintas. Se muitos projetos fecharam, outros tentam reinventar-se em modelos híbridos. Web TV locais, como analisou Francisco Rui Cádima (2008), surgiram como alternativa em algumas regiões, explorando formatos audiovisuais online com baixo custo de produção. Embora com limitações de escala, estas iniciativas provaram que há procura por conteúdos sobre temas locais.

 

O Jornalismo local em Portugal

Por entre ruas quase desertas de notícias e ilhas de inovação digital, o jornalismo local em Portugal vive um momento paradoxal. Nunca como hoje foi tão difícil manter uma cobertura jornalística de proximidade, e nunca como hoje surgiram tantas tentativas de reinventar esse mesmo jornalismo — online, em rede, em diálogo direto com as comunidades. Num país marcado por profundas assimetrias regionais e por uma crise estrutural da imprensa, o mapa do jornalismo local reflete desertos, mas também alguns oásis de criatividade.

Nos últimos anos, o termo “desertos de notícias” ganhou força no debate público. O estudo Desertos de Notícias na Europa (Jerónimo et al., 2022) revelou que em muitas regiões portuguesas — sobretudo no interior e em territórios de baixa densidade populacional — as populações vivem hoje sem acesso regular a jornalismo local profissional. É o caso, por exemplo, de vastas áreas no Alentejo ou em Trás-os-Montes. Nestas regiões, as rádios locais sobrevivem com enormes dificuldades, os jornais em papel fecharam ou foram reduzidos a edições simbólicas, e os sites locais, quando existem, são pouco atualizados.

“O jornalismo de proximidade é o primeiro a sofrer nos momentos de crise dos media, mas é também o que mais falta faz à coesão social”, explica Pedro Jerónimo, investigador e autor de Ciberjornalismo de Proximidade (2017) (RTP, 2024). A lógica é simples: quando faltam notícias sobre o que acontece no quotidiano das pessoas — decisões municipais, eventos culturais, problemas ambientais — a democracia local enfraquece. “Sem informação de proximidade, o espaço público local tende a ser capturado por boatos, redes sociais não moderadas ou pela comunicação institucional, que não substitui o jornalismo”, sublinha Jerónimo (2017).

Mais recentemente, a aposta passou pelo hiperlocal digital. Como defende Carla Camponez (2017), há potencial em criar “novos pactos comunicacionais”, em que o jornalismo local online atua em forte ligação com as comunidades, mais dialogante e participativo. Nesta lógica, projetos jornalísticos históricos como o Notícias de Gouveia procuram não apenas informar, mas também mobilizar o tecido social local (RTP, 2024).

Porém, o grande desafio continua a ser o da sustentabilidade. A proposta de modelos de negócio em rede — desenvolvida na tese de doutoramento de Gabriela Ramos (2023) — aponta para caminhos de esperança: associativismo entre pequenos media locais, cooperação para compras tecnológicas e publicidade, ou sistemas de subscrição comunitária. “Sem pensar em modelos de negócio alternativos, o jornalismo de proximidade corre o risco de ficar preso a uma lógica de sobrevivência, sem capacidade de inovação”, alerta.

Os próximos anos serão decisivos. A transição digital abriu novas possibilidades, mas também agravou desigualdades. Enquanto nas grandes áreas metropolitanas surgem experiências digitais bem-sucedidas, como o Lisboa Para Pessoas, em muitas regiões o jornalismo local permanece em risco de extinção. Como sintetiza Jerónimo (2022), a batalha pelo jornalismo local em Portugal é, em última análise, “uma batalha pela democracia de proximidade”.

No final, o futuro do jornalismo local dependerá da capacidade de jornalistas, comunidades e políticas públicas convergirem para soluções novas. Porque, como lembra Camponez (2017), “num mundo cada vez mais globalizado, é no local que continua a residir a dimensão mais tangível da cidadania”.

Uma televisão nascida nos corredores da escola – Entrevista a Tomás Duran (um dos fundadores da TomarTV) (TTV)

A origem da TomarTV é, em si, uma história de juventude, criatividade e espírito de iniciativa. Longe dos grandes estúdios ou redações profissionais, o projeto nasceu nos corredores de uma escola secundária — um cenário improvável para uma futura referência do jornalismo local.

Tudo começou quando um grupo de quatro estudantes do ensino secundário decidiu inovar na forma de comunicar dentro da própria escola.

“Criámos uma das primeiras televisões escolares do país”, recorda Tomás. A ideia era simples: aproveitar os intervalos para exibir uma programação feita pelos próprios alunos. “Fazíamos uma emissão especial para passar nos intervalos da escola. E aquilo começou a ter um grande sucesso e a atrair um monte de gente.”

O impacto foi imediato. A iniciativa revelou uma sede de informação e de novas linguagens audiovisuais entre os estudantes — um público que já não se identificava com os modelos rígidos e antiquados dos media tradicionais. Enquanto Marques (2023) sublinha que “as camadas mais jovens raramente se envolvem ou identificam com os media locais”, o projeto da TomarTV nasce da juventude e é para a juventude — assumindo a missão de criar formatos mais atrativos, criativos e compatíveis com os hábitos digitais contemporâneos.

“Sentíamos que existia um grande distanciamento entre o conteúdo que gostávamos de consumir enquanto jovens e a forma como os medias tradicionais o faziam.”

Com a conclusão do 12º ano, veio o desafio: como manter vivo aquele espírito criativo e livre que havia florescido nos corredores escolares? A resposta foi ousada: fundar um órgão regional de comunicação. Assim nasceu a TomarTV, com uma missão clara de aproximar a informação do público local e, sobretudo, de criar um novo padrão de jornalismo digital para a região.

Essa origem moldaria para sempre a identidade do projeto. Desde o início, a TomarTV destacou-se pelo seu caráter jovem, experimental e independente — características que ainda hoje a diferenciam no panorama de media regional.

 

Liberdade editorial como ponto de partida

Desde o início, os jovens fundadores da TomarTV tinham um objetivo claro: construir um meio de comunicação livre, e o cenário que encontraram nos meios locais era preocupante. “Existia sempre uma ligação demasiado forte entre o poder político local e a forma como as notícias eram dadas”, relata Tomás. Muitas redações regionais, ainda presas a estruturas obsoletas e com escassos recursos, reproduziam notas de imprensa sem qualquer tipo de editoria ou linha editorial clara. “Ainda hoje frequentamos os sites de rádios e jornais locais e o que vemos são notas de imprensa chapadas. Isso é assustador.”

Essa constatação motivou o grupo a criar um projeto que fosse realmente independente, onde as escolhas editoriais fossem pautadas por princípios jornalísticos, não por interesses políticos ou económicos.

No entanto, o caminho não foi isento de riscos. A juventude e a paixão inicial levaram, por vezes, a uma comunicação demasiado ousada: “Hoje confesso que às vezes fomos irreverentes demais, fruto da idade que tínhamos. Às vezes íamos para o extremismo de querer comunicar em excesso.” Ainda assim, foi essa ousadia que despertou debates e quebrou padrões no panorama local.  

A proposta da TomarTV foi justamente criar um canal transparente e digital, que se apresentasse de forma clara ao seu público, livre de dependências. Esse compromisso com a liberdade editorial tornou-se num marco identitário.

Jornalismo de proximidade e missão social

 A TomarTV nasceu com uma missão social clara: criar uma comunicação que sirva, respeite e fortaleça as comunidades locais.

Enquanto os grandes meios nacionais impõem uma agenda unificada, muitas vezes centrada nos grandes centros urbanos, o jornalismo local permite uma narrativa mais enraizada no território.

“O jornalismo regional é mais importante que o nacional”, afirma Tomás Duran.“Permite informar um determinado grupo de pessoas com informações que são realmente relevantes para aquela população.”

Essa função de proximidade vai além do mero foco geográfico. Trata-se de valorizar o que acontece no quotidiano, dar voz à população e combater a sensação de abandono que tantas regiões do interior sentem.

“Vivemos num país com coesão territorial extremamente desigual, em parte por causa da falha na comunicação. A quantidade de notícias do litoral é muito maior do que a do interior — não porque não aconteça nada no interior, mas porque faltam meios para cobrir esses acontecimentos.”

Por isso, Tomás defende que o país deveria investir num sistema de informação mais descentralizado — inspirado em modelos como o espanhol — em que cada região tenha meios de comunicação fortes e integrados numa rede nacional.

O impacto de uma comunicação local bem estruturada seria profundo: reforçaria a identidade cultural de cada região; promoveria a cidadania e o envolvimento cívico; reduziria a ansiedade informativa ao oferecer conteúdos mais próximos e compreensíveis e corrigiria desigualdades no acesso à informação.

“As pessoas estão overwhelmed por excesso de informação que não lhes diz respeito. A informação local ajuda a recentrar o foco: o que acontece na minha rua, na minha cidade, na minha vida.”

Esse espírito de missão social foi central em todas as fases da TomarTV e na mais recente aposta num jornalismo positivo e construtivo, focado em conteúdos que realmente acrescentem algo às comunidades.

“Tentamos seguir uma linha editorial mais positiva. Não queremos fazer um jornalismo alarmista. Queremos acrescentar valor e ajudar a comunidade a compreender e melhorar a sua própria realidade.”

Assim, o jornalismo de proximidade mostra todo o seu poder: ser não só um serviço de informação, mas um instrumento de coesão social e desenvolvimento democrático. Além do seu valor cívico e democrático, o jornalismo de proximidade pode também constituir uma resposta concreta à crise estrutural que afeta o setor dos media. Como referem Giovanni e Élmano (2023), com base em Camponez (2017), os media locais possuem “características naturais que podem ajudar na solução da crise do jornalismo, especialmente quanto aos modelos de negócios”. Entre essas características, os autores destacam a possibilidade de atuação em nichos de mercado geograficamente definidos, a maior probabilidade de fidelização das audiências — que podem apoiar financeiramente os projetos através de assinaturas ou doações — e a capacidade de produzir conteúdos ajustados a necessidades específicas da comunidade, algo que apenas um meio profundamente enraizado no seu território consegue garantir. Neste sentido, o jornalismo local deixa de ser visto como um vestígio do passado e passa a ser encarado como uma via estratégica de futuro, capaz de conciliar sustentabilidade económica com relevância social.

Coberturas que marcaram uma geração

Ao longo dos seus dez anos de existência, a TomarTV consolidou-se como um exemplo do que o jornalismo local pode alcançar. Nenhuma cobertura simboliza melhor esse espírito do que a dos incêndios de Pedrógão Grande, uma tragédia que marcou Portugal e também a história da jovem redação.

Em junho de 2017, as chamas devastaram a região.

“O governo anunciou a lista de mortos no segundo dia do acontecimento, mas aqueles números não batiam com os nossos dados. Criámos equipas que iam às freguesias, às funerárias, falar com as pessoas.”

Num esforço que desafiava as limitações de um pequeno órgão local, cruzaram informações, sem as facilidades tecnológicas e digitais dos grandes meios de comunicação: “Não havia ferramentas para automatizar nada. Tudo era feito manualmente, com uma motivação enorme em descobrir a verdade.”

Após o tratamento dos dados, a  TomarTV comprovou publicamente que o governo subestimara o número de vítimas. Essa revelação contribuiu para a queda da Ministra da Administração Interna. Para um meio regional, operando com recursos escassos, foi um feito retumbante: “Mostrámos que o jornalismo independente e livre, mesmo sendo regional, pode e deve ter esse papel.”

Essa cobertura consagrou a TomarTV como um exemplo do poder do jornalismo local digital: capacidade de proximidade, compromisso com a verdade, atuação independente e rapidez na resposta e além do impacto institucional, o incidente fortaleceu a relação da TomarTV com a sua audiência.

Reinvenção digital e diálogo com o público

Desde os seus primórdios, o projeto reconheceu o potencial das plataformas digitais como facilitadoras de um modelo de comunicação descentralizado, inclusivo e próximo da comunidade. A opção estratégica pelo digital esteve presente desde a fundação do projeto:

“As plataformas digitais são sempre uma alavanca. Nós tínhamos a facilidade de não ter os custos de um canal no cabo, com equipamentos pesadíssimos.”

Este reconhecimento foi determinante para o desenvolvimento de uma abordagem multimodal, que se apoiou em canais como o Facebook, o YouTube e sistemas de mensagens como o Messenger, criando um ecossistema de comunicação que conjugava conteúdos informativos, participação cívica e interação em tempo real.

O Facebook desempenhou um papel central na estratégia de difusão da TomarTV, tanto em termos de audiência como de construção da comunidade. A plataforma foi utilizada não apenas como meio de promoção dos conteúdos produzidos, mas como um verdadeiro canal de transmissão de eventos ao vivo.

“A certa altura atingimos números impressionantes no Facebook. A TomarTV teve o direto de Facebook mais visto de sempre em Portugal.” Este recorde foi alcançado durante a cobertura de um acontecimento de elevada carga noticiosa aliada a uma relação particularmente próxima com as comunidades de portugueses no estrangeiro:

“Conseguimos ir buscar muitas comunidades de portugueses que viviam no estrangeiro. E isso era uma ligação incrível.”

Este tipo de participação transnacional demonstra o potencial do digital para ampliar o alcance do jornalismo local, permitindo que as comunidades portuguesas mantenham um vínculo informativo e emocional com os seus territórios de origem (RTP, 2024).

Paralelamente, o YouTube serviu como plataforma complementar, funcionando como um arquivo vivo das produções da TomarTV e permitindo a experiência de formatos mais apelativos para as gerações mais jovens.

“Inspirámo-nos muito na altura, por exemplo, na MTV Brasil. Eles faziam uns noticiários super criativos, com imagens, e aquilo era apetitivo para os jovens.”

A adaptação das linguagens visuais e narrativas foi um aspeto central desta reinvenção digital: “A maneira de editar, para nós… demorávamos semanas para editar uma coisa de 30 segundos, se quiséssemos ser mesmo perfeccionistas. (…) Hoje vemos influencers a agarrar num microfone de lapela e a comunicarem sem o mínimo rigor. E eu acho que é aí que nós estamos a perder muito.”

Outro elemento fundamental da estratégia digital da TomarTV foi a utilização de sistemas de mensagens diretas, como o Messenger, que permitiram estabelecer um canal de comunicação permanente e bidirecional com o público.

“Se antigamente as pessoas iam à redação entregar um cartaz na mão, hoje a relação mudou completamente. Agora contactam diretamente via Messenger. Isso permite gerir a informação de forma muito mais rápida e ouvir muito mais vozes.” Este contacto direto não só facilitou a cobertura mais ágil de eventos locais como também contribuiu para reforçar o papel da comunidade na definição das agendas jornalísticas, promovendo um modelo de jornalismo mais participativo e horizontal.

Assim, ao recorrer a plataformas como Facebook, YouTube e Messenger, a TomarTV não só alargou a sua audiência e reforçou a proximidade com o seu público, como também contribuiu para renovar as linguagens e práticas do jornalismo local.

“Nunca existiu esta possibilidade de produzir com tanta qualidade e com custos tão reduzidos. Mas é preciso manter o rigor e a arte de comunicar.” Este equilíbrio entre inovação tecnológica e responsabilidade editorial é talvez a lição mais importante que o caso da TomarTV oferece ao ecossistema mediático português, num momento em que os media locais enfrentam desafios profundos de sustentabilidade e relevância.

Desafios e futuro do jornalismo local

A experiência da TomarTV é reveladora: por trás do dinamismo editorial e da criatividade, existe uma batalha constante por recursos, legitimidade e sustentabilidade. “No regional, é quase um one-man-show. Mas é também aí que se ganha uma certa experiência, que é necessária para os tempos que vivemos hoje.”

Enquanto grandes grupos nacionais contam com equipas multidisciplinares e departamentos especializados, nas redações locais muitas vezes um só jornalista desempenha múltiplos papéis: repórter, editor, operador de câmara, gestor de redes sociais e até designer gráfico. Esta acumulação de funções é uma realidade comum nas redações da região Centro, como evidenciado no estudo “Jornalismo Região Centro” (2020), onde mais de 65% dos jornalistas afirmam produzir mais de 20 peças jornalísticas por trimestre, frequentemente acumulando funções de escrita, fotografia e paginação.

Essa polivalência pode gerar uma experiência rica, mas também leva ao risco de burnout e fragilidade operacional (Bastos, 2104), ademais, a falta de financiamento adequado é um obstáculo permanente: “A forma de financiamento das publicações passou a estar muito comprometida… Produzimos conteúdos de borla para as redes sociais, que lucram com isso. E o que recebemos, como no caso do Google AdSense, é insuficiente para sustentar um grupo.”

Em paralelo, a ausência de políticas públicas de apoio afeta estes profissionais:

“Os vários governos ouviram as vontades dos jornalistas regionais e nunca quiseram fazer nada em relação à necessidade urgente de criar um plano de apoio.”

O resultado é um cenário assimétrico: enquanto algumas regiões possuem medias locais fortes, outras permanecem em “desertos informativos”, o que aprofunda as desigualdades de coesão territorial. A maioria dos profissionais mostra-se preocupada com o futuro da profissão e, em alguns casos, admite já ter ponderado abandoná-la — sobretudo devido ao baixo rendimento, à degradação das condições de trabalho e à falta de valorização social (RTP, 2024).

No entanto, há sinais de resistência e criatividade. O mesmo estudo indica que muitos jornalistas estão a apostar em novas ferramentas digitais, embora reconheçam limitações de formação e infraestrutura. Mais de 20% dos profissionais trabalha hoje com regularidade em ambientes online, e vários referem a necessidade urgente de repensar os modelos de negócio.

Conclusão: o futuro é local e digital

Se há algo que a trajetória da TomarTV revela, é que o jornalismo local não tem apenas um lugar no ecossistema mediático atual — ele é fundamental. Ao unir a força das plataformas digitais com a missão tradicional do jornalismo — informar, fiscalizar, conectar comunidades, projetos como a TomarTV conseguem preencher lacunas que os grandes meios não alcançam.

Em tempos de excesso de informação global, o público anseia por aquilo que tem impacto direto na sua vida: a obra pública no bairro, a decisão política municipal, o incêndio na serra vizinha, ou o evento cultural da vila. É justamente aí que o jornalismo local atua com relevância única.

O digital não apenas potencializou esse alcance — tornando possível que um pequeno grupo de jovens levasse notícias regionais a milhares de pessoas, incluindo no estrangeiro — como também trouxe novas linguagens, formatos e possibilidades de interação. Plataformas como Facebook, YouTube, Instagram democratizaram a produção audiovisual e permitiram coberturas mais criativas e acessíveis.

Contudo, essa revolução traz também os seus riscos. A dependência de algoritmos de grandes plataformas estrangeiras compromete a sustentabilidade financeira do jornalismo local. A falta de apoio institucional agrava ainda mais este quadro:

“Se não existir um plano de apoio agora, no período de transição para o digital, o que perdemos não é o papel. É o conhecimento, o legado do jornalismo português.” afirma Tomás Duran.

A frase é um alerta claro. Sem políticas públicas que reconheçam o valor estratégico do jornalismo local — para a coesão territorial, para o fortalecimento da democracia e para o combate à desinformação — o país corre o risco de aprofundar desigualdades informativas já latentes.

Ainda assim, começam a surgir respostas do poder público. Em fevereiro de 2024, foi publicado o Despacho n.º 14327-A/2024, que definiu os apoios estatais à comunicação social local por região e por tipologia de investimento. A Região Centro, onde se insere a TomarTV, recebeu um total de 30.491,84 euros, sendo cerca de 22 mil euros destinados à modernização tecnológica e 8 mil euros ao desenvolvimento digital (Governo de Portugal, 2024). Embora o valor total represente uma fração modesta em comparação com outras regiões — como os mais de 313 mil euros atribuídos à Região Norte —, o montante pode ainda assim representar um impulso relevante para projetos locais. Contudo, é a região que menos recursos recebeu em 2024, o que cria um alerta sobre a desigualdade no acesso aos fundos públicos.

Torna-se essencial garantir que os apoios não só existam, mas que sejam distribuídos de forma equitativa, com critérios transparentes e que cheguem efetivamente a projetos inovadores e independentes. Como o estudo “Jornalismo na Região Centro: Trabalho, Tecnologia e Negócio” (2020) revela, os desafios enfrentados pelos media regionais não se resumem à escassez de recursos financeiros ou humanos. São também desafios de identidade profissional, de adaptação tecnológica e de reinvenção do papel social do jornalista local. Ao mesmo tempo, persistem oportunidades concretas: bases de leitores fiéis, forte ligação às comunidades e potencial de inovação digital.

O apoio público é importante, mas precisa de estar alinhado com as realidades no terreno, para que possa cumprir o seu papel de fortalecer o ecossistema informativo regional.

Por outro lado, há sinais de esperança. A nova geração de jornalistas, nativos digitais, está mais preparada para explorar as potencialidades do local. Projetos independentes e inovadores, mostram que é possível construir um jornalismo mais próximo, mais livre e mais relevante.

Esse futuro poderá ser local e,  inevitavelmente, digital.

Referências Bibliográficas

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Duran, T. (2025, 25 de maio). Entrevista pessoal realizada por Sara Martins. Tomar.

Jerónimo, P., Morais, R., & Correia, J. C. (2020). Jornalismo na região centro: Trabalho, tecnologia e negócio. LabCom – Universidade da Beira Interior.  https://labcom.ubi.pt/jornalismo-na-regiao-centro-trabalho-tecnologia-e-negocio/

Jerónimo, P., Gradim, A., & Correia, J. C. (2022). Desertos de notícias na Europa: Portugal 2022. MediaTrust.Lab – Universidade da Beira Interior. https://mediatrust.ubi.pt/wpcontent/uploads/2022/12/desertos_noticias_europa_2022_.pdf

Jerónimo, P., & Gradim, A. (2023). Media regionais e o digital: desafios, resistências e adaptações. LabCom – Universidade da Beira Interior. https://labcom.ubi.pt/wpcontent/uploads/2023/07/Media-Regionais-e-o-digital.pdf

Machado, E. L. (2023). Narrativas locais e cidadania: práticas emergentes no jornalismo de proximidade. Universidade NOVA de Lisboa. https://run.unl.pt/bitstream/10362/158626/1/ELM.pdf

Nielsen, R. K. (2017). Local journalism: The decline of newspapers and the rise of digital media. Reuters Institute for the Study of Journalism. https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/sites/default/files/2017-

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Ribeiro, F. (s.d.). Rádios locais: sobrevivência e resistência no século XXI. ICNOVA –

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https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/17473135/ICNOVA_RadiosLocais.pdf

Ribeiro, F. (2016). A crise do jornalismo regional: diagnóstico e tendências. Anuário

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RTP. (2024, fevereiro 9). Sociedade Civil: Media regionais [Programa de televisão]. RTP Play. https://www.rtp.pt/play/p12678/e746911/sociedade-civil

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