Pediram-me umas palavras a propósito do feriado municipal de 1 de Março, no qual se assinala a data do início da construção do castelo (1 de Março de 1160).
Se a ingratidão é uma atitude altamente reprovável, a gratidão é uma virtude que deriva da justiça, e é altamente louvável. Por isso, pensei que não poderia perder esta oportunidade para fazer o meu “Tributo a Tomar”. De facto, o que sou e o que recebi, devo-o em grande parte a estas terras de onde são naturais os meus quatro costados, e todos eles da mesma freguesia e paróquia de Olalhas.
Em primeiro lugar a terra. Essas primeiras elevações que, para quem vem do sul, deixam adivinhar o centro e o norte de Portugal mais montanhosos. Depois os rios Nabão e Zêzere, que se confundem antes de entrar no Tejo. O Zêzere, imenso e belo… quase oceano… O Rio, por antonomásia, para quem lhe cresceu nas margens. E o Nabão, a tornar tão especial e única a paisagem da cidade de Tomar.
Depois, os perfumes destas paisagens, que são tantos… dos pinheiros, dos eucaliptos, das estevas, das hortelãs dos ribeiros… tudo combinado numa sinfonia olfactiva que me desperta quando chego às Calçadas, vindo do Mundo, e me faz sentir que cheguei a casa!
A casa… a igreja e a escola… e a casa dos avós, e as outras casas, ruas e largos das Olalhas que, empoleirados nas serranias, são os primeiros a ver o sol quando este nasce por de trás das dos montes, “do-outro-lado-do Rio”… E sobretudo o campo, a “casa da Tia”, os Penedos e as Pereiras… as vinhas e as matas, os quartéis e as ribeiras. E como as ribeiras não cantam sozinhas: os pássaros, as cigarras e os grilos!
E sempre a Cidade, claro! O antigo Colégio, e a sua biblioteca, com o Senhor Pereira, os seus ensinamentos e a sua bengala. As ruas, a alameda e as praças… sobretudo a Praça D. Manuel I: meu Deus! Que lugar! Quem terá sido o arquitecto paisagista que desenhou essa praça magnífica que enquadra perfeitamente o monte, o castelo e o céu?!
À antiga Gráfica de Tomar não chegavam os perfumes fortes e verdes das hortelãs da ribeira dos Penedos. O perfume ali era outro, único e irrepetível. Mas ali comprava as tintas com que impressionava as telas, pintando os verdes já referidos. Por falar de perfumes, o da Igreja de São Francisco era também único e muito especial. No meu “Tributo a Tomar” não podia faltar essa igreja silenciosa e meditativa… com o bom Jesus, Senhor das Chagas, à entrada, sobre o seu imenso tronco, a brilhar de vivo, pelo bruxulear as velas.
E sobre tudo, e sobre todos, essa montanha sagrada e bela que de longe nos atrai o olhar: o morro, com o seu castelo. E no lugar mais sagrado dessa cidadela fortificada, a venerável igreja templária, com a sua charola… essa Jerusalém situada algures entre a terrestre e a celeste.
Afinal, não consigo escrever um verdadeiro e digno “Tributo a Tomar”! É que o tributo deriva da virtude da justiça (de dar a cada um aquilo que lhe é devido)… e, por mais que me esforce, não tenho espaço, tempo nem arte para fazer justiça a Tomar! É que, em Tomar, tudo é tão único, belo, grande e elevado, que o melhor tributo que lhe posso fazer e voltar a ser o miúdo encantado e agradecido a esta cidade e a esta terra que, por bênção, me calhou.
Pe. Fernando António